FUN BEFORE FOOD - PARTE 4! DIFICULDADES NA ALIMENTAÇÃO E AVERSÃO À COMIDA EM CRIANÇAS COM AUTISMO.

Na Parte 3 da série de posts Fun Before Food abordei a relação entre a sensibilidade tátil e a alimentação, descrevi as diferentes texturas, consistências e sabores que a sua criança pode evitar ou procurar com mais frequência. Na parte 4 e última parte desta série Fun Before Food, irei abordar que atividades podemos fazer para diminuir a aversão à comida e de que forma podemos intervir para trabalhar na normalização sensorial da alimentação em crianças com autismo. 

A importância do 'brincar' com comida como primeira intervenção 

Brincar com a comida é super importante para criança que sofre de aversão à comida no sentido em que o brincar oferece-lhes a oportunidade de sentir com as mãos a textura, cheirar as fragâncias, ver o aspeto ou as cores dos alimentos. Tudo isto é super importante para preparar a criança sobre o que vai comer e reduzir ansiedade sobre a experiência a que está a ser exposta. 

Ora pense lá? Quando comeu caracóis pela primeira vez? Ou quando lhe dizem que aquele molho é picante? Lembra-se do que faz?

1. Tocamos na comida ou usamos o garfo para perceber o que é (toque e visão)
2. Usamos o nariz para cheirar (cheiro)
3. Provamos um bocadinho na nossa língua (sabor)
4. E finalmente comemos, certo? (experiência oral-facial-motora)

Não será justo então deixarmos que as crianças com autismo tenham estas fases de adaptação quando expostas a novos alimentos? 

Outra questão importante é que crianças com autismo e com dificuldades na alimentação são muitas vezes excluídas dos rituais de sentar à mesa e comer em família, ajudar a cozinhar ou a preparar a comida porque é difícil para elas se envolverem e participarem em algo que lhes causa desconforto. O brincar e fazer-de-conta que vão a um picnic,por exemplo, ajuda as crianças a experienciar estes rituais e a participar nas tarefas relacionadas com a alimentação. 

Numa fase inicial (também chamada de normalização), usa-se muito o brincar com a comida. È uma fase que pretende aumentar a auto-confiança da criança em abordar a comida sem o facto de a ter de comer e sentir a ameaça que  tem de ingerir a comida que está à sua frente.  Este brincar com a comida envolve atividades para uma exposição e exploração inicial à comida. A ideia aqui é oferecer à criança a oportunidade de ver, sentir, cheirar e se ela iniciar, provar as diferentes comidas. 

Por exemplo, apresentar os alimentos num saquinho não é só um ideia divertida para explorar os alimentos mas também porque o saquinho funciona como uma barreira de contacto, caso a criança se sinta ameaçada em tocar nos alimentos. 

Diferentes tipos de brincar com a comida!

Brincar com comida deve ser conduzido num ambiente relaxado e com muito suporte do adulto. Não vá mais longe do que a criança consegue tolerar.  

O brincar com a comida é uma abordagem desenhada para encorajar a criança a explorar e se possível a provar a comida mas nunca a forçar a criança a fazê-lo, deve ser um processo liderado pela criança. 

• 1.Brincar com comida (jogo simbólico)

Nesta fase deixe a criança usar utensílios, se a criança mostrar resistência em tocar em texturas.

Brincadeiras com curto período de tempo é suficente. Não force o que a criança não consegue tolerar.

O objetivo é a criança se sentir confortável na interação com comida e alimentos. 

Atividade: Saco de sensações

Usar uma saquinho para explorar comida através dos sentidos do toque e do cheiro. Coloque os alimentos num saquinho e encoraje a criança a olhar e a explorar os alimentos dentro do saquinho. Se necessitar, demonstre primeiro a atividade para a criança. 

Sabores/cheiros/texturas que pode colocar dentro do saquinho

- Azedo: limão

- Doce: barrinhas energéticas, uvas

- Crocante: bolacha maria

- Líquido - iogurte

- Pegajoso - tâmaras

- Suave e mole - feijão cozido

- Com pedaços - arroz doce

Atividade - Picnic 

Use um boneco, ursinho, peluche, boneca o que for mais significativo para a sua criança. Use diferentes alimentos e faça de conta que vai a um picnic. Use comida real e não comida de plástico (brinquedos) para esta atividade. 

A ideia é oferecer à criança a experiência de tocar e brincar com a comida sem a ameaça de ter que a comer. Outra parte importante de fazer estas atividades é o facto de proporcionar à criança estes rituais da alimentação e de refeições de dar/preparar a comida para a boneca. Além disso, este jogo simbólico é óptimo para modelar comportamentos de comer, dar de comer e usar vocabulário acerca das texturas e sabores dos alimentos. 

 

• 2.Brincar com comida seca e sólida

Material: leguminosas cruas (feijões), grão de bico, lentilhas, aveia, cereais, carrinhos  e camiões de brincar, tabuleiro 

Atividade: criar estradas no tabuleiro com a comida seca (usar as mãos para espalhar,amassar, por num copo e espalhar os alimentos secos e depois usar os carros e os camioes em cima dessas estradas, fazer de conta que se está numa quinta de animais a transportar mercadorias). 

• 3.Brincar com comida líquida

Aqui vai depender do feedback tátil que a criança recebe da comida. A transição de consistências secas para consistências molhadas pode e deve ser feita gradualmente com o uso de luvas plásticas, onde alguns dedos das luvas podem ser cortados e permitir um semi contacto com as texturas molhadas. Ou então, se vir que a criança está a rejeitar completamente a atividade forneça utensílios, como copos, medidores, collheres, pratos para que a criança esteja envolvida na atividade mas sem tocar diretamente na comida. Gradualmente vá expondo o toque. 

Material: Gelatina, manteiga de amendoim, nutella, yogurt, animais de plástico de brincar 

Atividades

Usar formas de cortar massa para cortar a gelatina em diferentes formas. 

Usar diferentes recipientes para passar a gelatina de uma forma para a outra com uma colher. 

Pintar com os dedos utilizando nutella ou caramelo liquido frio

 

Brincar com animais de plastico e espalhar o yogurte na mesa, a fazer de conta que os animais estão a brincar no pântano. 

• 4.Brincar com uma mistura de comida molhada com comida seca.

Material: milho enlatado frio, caramelo líquido frio,iogurte, frutos secos, massa esparguete cozinhada e fria, bolachas de diferentes tamanhos e formas, pratos de plástico, animais de plástico de brincar

Atividade: Crie uma cara (smiley face) em pratos de plástico com os diferentes alimentos. O iogurte para a pele, a massa esparguete para o cabelo, os frutos secos para os olhos,boca e nariz. 

- Pode usar novamente o tema do pântano, em que os animais vão de uma área  mais areosa (o milho) para áreas mais pegajosas (estradas feitas com nutella). 

- Use as bolachas maria ou bolachas de milho e a manteiga de amendoim para construir uma casa. As bolachas representam os tijolos e a manteiga de amendoim o cimento. Pode também usar o iogurte para usar como cimento, uma consistência mais líquida. 

Crie uma livro de experiências com a comida

Escolha uma série de brinquedos prefidos da sua criança (bonecas, peluches, animais, super heróis) e faça de conta que vai a um picnic. Se tiver aqueles conjuntos de comida plástica com copos e pratos de plástico, use também. O brincar simbólico é essensial aqui, dar de comer os bonecos, fazer a comida, tocar nos alimentos, sem forçar a criança a comer ou a colocar na boca. Esta fase é puramente exploratória e sob o controlo da criança. 

Alimentos que pode usar: peças de fruta, iogurt, massa ou arroz seco, cereais. 

Crie um livro que registe as experiências alimentares que a criança tem feito. Por exemplo:

Hoje	Criança/brinquedo		Alimento
Eu	(inserir imagem)	toquei	(inserir imagem)
O ursinho	(inserir imagem)	comeu	(inserir imagem)
A boneca	(inserir imagem)	comeu	(inserir imagem)
Eu	(inserir imagem)	bebi	(inserir imagem)

Estimule a discussão perguntando:

- O que é que a boneca vai comer para o pequeno almoço?

- O ursinho vai se sentar na mesa com a mãmã usinha? O que é que ele vai comer?

- Como fazemos uma sandes para a boneca?

- Será que o ursinho vai gostar de comer fruta? Qual? Porquê?

- A que cheira essa fruta?

- Esta banana é mesmo mole e doce! E o kiwi? 

 

Atenção!!!

• Não force a criança a fazer mais do que aquilo que ela não está preparada.
• Identifique quais os momentos chave no dia-a-dia da sua criança para realizar esta atividades. 

Assim como os adultos as crianças demoram o seu tempo a transferir o seu conhecimento e competências para novos contextos. Seja paciente e persistente, ou já pensou que também leva o seu tempo quando decide emagrecer e seguir uma dieta? Ou então quando se inscreve num ginásio, demora meses para ver os resultados, certo? Ou fica logo todo elegante no segundo ou terceiro dia de ginásio? A alimentação em crianças com aversão à comida é a mesma coisa, demora tempo a se ver resultados. Não desista!